Algumas horas ao norte de Manila está a pequena cidade de Sagada, onde há uma antiga tradição de pendurar os caixões dos mortos nas montanhas. Será um costume milenar ou uma enganação para atrair turistas?
Nós fomos até lá e contamos como é!
Câmbio oficial (jan/2018)
1 real = 15,85 pesos filipinos
1 dólar = 50,68 pesos filipinos
1 euro = 61,90 pesos filipinos
Ficamos sabendo de Sagada por acaso: estávamos procurando no Atlas Obscura por lugares interessantes e pouco conhecidos nas Filipinas e descobrimos este pequeno povoado, onde supostamente os caixões não eram enterrados, mas sim pendurados nas montanhas. Segundo a explicação, a crença era de que, quanto mais alto o corpo do falecido ficasse, mais chances sua alma teria de se libertar. Outro fato interessante daqui é que, na medida do possível, o falecido é que escolhe seu caixão. Quando a pessoa já está com idade avançada ou com uma doença perigosa, ela mesma se encarrega de decidir qual será a sua cama para a eternidade.
E, como Sagada fica perto dos famosos arrozais que também queríamos visitar, não perdemos a oportunidade e fomos para lá.
Turismo em Sagada
Nossa surpresa veio assim que pusemos os pés neste povoado: apesar de nosso Lonely Planet fazer apenas uma pequena menção a Sagada, ela é extremamente turística. Acho que vimos mais turistas estrangeiros por metro quadrado aqui do que nas praias. Os preços, é claro, acompanham a tendência, e Sagada foi provavelmente o lugar mais caro que visitamos no país.
Como chegar?
Sagada faz parte do circuito de quem quer conhecer os famosos arrozais de Banaue e Batad.
Há ônibus diretos que vão e vem de Banaue a Manila (9h, 490 pesos pela Ohayami).
Desde Banaue é preciso pegar uma van até Bontoc (150 pesos, 2h), e de Bontoc seguir até Sagada em jeepney (40 pesos, 40 min).
Se você vem de Vigan, o caminho é um pouco mais complexo. Leia nosso post aqui explicando como fazer.
Hospedagem
A oferta de hotéis em Sagada é grande e, a não ser que você vá em uma época festiva, não terá dificuldades de chegar lá sem reservas e conseguir uma hospedagem na hora.
Nós ficamos no Davey’s Inn, um hotelzinho simples, bonito e barato que fica bem perto de onde o jeepney nos deixou. Um quarto de casal ali saiu por 600 pesos. Se você viaja em modo econômico, é uma boa pedida.
Comer e beber
Não encontramos nenhum lugar barato para comer em Sagada. As famosas carinderías não existem por aqui, e os restaurantes se resumem a lugares voltados a turistas com grana. Espere pagar a partir de 150 pesos em um prato simples de arroz e carne.
Nós compramos sardinha enlatada e fizemos nossos próprios sanduíches mesmo.
Taxas
Se tem turismo, tem taxas. Esta é a regra das Filipinas (não sei se no resto da Ásia é assim também).
Chegando a Sagada você deverá ir até o escritório de turismo e pagar uma taxa ambiental de 40 pesos. Sem o comprovante desta taxa, não poderá entrar na trilha que leva aos caixões (e nem nas inúmeras outras que existem nos arredores da cidade).
Além desta taxa ambiental é preciso pagar também 10 pesos de entrada para ver os caixões.
Com guia ou sem guia?
É obrigatório contratar um guia para fazer a trilha até os caixões. Os guias cobram 200 pesos por grupo, e podem ser contratados logo na entrada.
Obrigatório ou não, nós fomos sem (explicamos como fizemos no tópico seguinte). O fato é que chega a ser um insulto à inteligência humana exigir guia para fazer uma trilha fácil destas (não dá nem para chamar de trilha, já que o caminho todo é cimentado e com escadarias). Desde a entrada, é só seguir reto por um calçadão que você chegará aos famosos caixões. Há que cruzar um pequeno cemitério, mas o chão está bem marcado no lugar que você deve seguir.
Nós sempre defendemos a contratação destes serviços para ajudar a comunidade local, mas há um limite que separa a ajuda da exploração. Já pagamos taxa de entrada, taxa ambiental, os preços caros dos serviços, e acredito que isso já seja uma boa ajuda.
Por último (e talvez o principal motivo que nos fez burlar a regra) é que, em nenhum lugar das Filipinas (ou melhor, do mundo) fomos tão mal recebidos como em Sagada. Não quero ser injusto com uns poucos moradores que nos receberam bem, mas a grande maioria aqui parece que odeia turistas. Os guias te olham com cara de cocô e não se dão nem ao trabalho de responder ao seu “bom dia”. Dos grupos que vimos pelo caminho, todos iam com pressa e quase não davam tempo para as pessoas tirarem fotos.
O passeio
Saímos do hotel pouco depois das 7h (em partes porque queríamos chegar ainda no mesmo dia a Batad, em partes porque queríamos chegar antes dos guias aparecerem). Pagamos a taxa de 40 pesos no escritório de turismo e seguimos para a parte detrás da igreja, onde começa a trilha. Se você tiver dificuldades para encontrá-la, é assim: passe pelo lado da igreja. Lá no fim, há um caminho para a direita, que leva a uma escola, e um caminho à esquerda, que leva aos caixões.
Chegamos e a pessoa que confere o pagamento da taxa ainda não estava. Poderíamos ter economizado 40 pesos, mas tudo bem: esta taxa achamos justo pagar.
Vimos dois grupos chegando de excursão. Colamos em um deles para dar a impressão de que estávamos juntos e que já tínhamos guia. Não deu certo. Pouco depois do começo da trilha havia uma guarita, onde se pagava 10 pesos de entrada. O guia pagou a do seu grupo e ficamos nós dois de fora. Nos aproximamos para pagar.
–Bom dia! – dissemos.
–20 pesos – falou a educadíssima moça do caixa, sem nos olhar.
Entregamos o dinheiro.
–Onde está seu guia? – falou, pegando o dinheiro e entregando o comprovante.
–Não tem nenhum guia lá na frente ainda – respondi. Era verdade.
–Não podem entrar sem guia.
–Poxa, que sorte – respondi. – Acabou de passar um grupo com guia. Vamos correr lá e nos juntar a eles.
Sua cara de cocô apodreceu de vez. Ela sabia que estávamos mentindo, mas não podia fazer nada. Apenas esboçou um gesto para seguirmos.
–Obrigado – falei.
–Uhum – respondeu.
O caminho era de calçada, e em menos de 1 minuto de caminhada chegamos ao primeiro cemitério. Com vários túmulos pequenos, dá até a impressão de ser um cemitério de crianças, mas não: segundo a explicação que encontramos na internet (os guias não explicam nada), o pessoal de Sagada gosta de usar caixões pequenos, mesmo que, para isso, tenham que quebrar alguns ossos do falecido para fazer o corpo caber lá dentro.
Cruzando o cemitério há um pequeno caminho de terra entre o gramado, marcado pelo passo de milhares de turistas ao longo dos anos. No fim deste pequeno caminho começa o calçado novamente.
Logo você chegará ao “Echo Valley” (Vale do Eco). Do outro lado do vale, nos imensos paredões de pedra, é possível ver alguns caixões enfiados em buracos naturais. Se tiver um binóculos, vale a pena levar.
Aqui os guias mandam os turistas gritarem para ouvir o eco de suas vozes, justificando o nome do vale. É claro que, de tempos em tempos, um “Fuck you!“ ecoava por todos os lados. Se alguém tivesse pensado que “respeito aos mortos” poderia ser um argumento para exigir guia, este argumento acaba de cair por terra.
O caminho segue escadaria abaixo, cruza o vale e sobe novamente, te deixando frente a frente com alguns caixões a poucos metros de distância.
O passeio todo dura cerca de 30 minutos.
Verdade ou mentira para atrair turistas?
Não há como negar que esta tradição já existiu mesmo, e que, segundo dizem, remonta desde 2 mil anos atrás. Ao longo do caminho é possível ver caixões que estão bem longe e em lugares de difícil acesso. Estão tão longes que nem apareceram nas fotos que eu tentei tirar.
Agora, que há alguém dentro daqueles caixões que chegamos perto, é difícil acreditar. Eles são poucos e alinhados em um local muito óbvio, para fácil acesso dos turistas mesmo. Não acho que alguém ia querer passar a eternidade como uma peça de exibição. Além disso, vimos em outros blogs fotos de mais de 10 anos atrás, e são exatamente os mesmos caixões.
Também há uma diferença gritante na qualidade destes caixões com a dos caixões que estão mais afastados. Enquanto estes que vemos de perto são feitos com madeira simples e sem nenhum cuidado, aqueles afastados são bem trabalhados, alguns até aparentemente feitos em pedra.
Resumindo, provavelmente os turistas não estavam satisfeitos em ter que observar caixões com binóculos, e isso levou a prefeitura a criar algumas réplicas mais perto para deixar todos felizes. E, se foi isso mesmo que aconteceu, não deixa de ser uma atitude nobre. Assim, os mortos podem seguir descansando em paz, longe dos olhares curiosos e dos flashes das câmeras.
Verdade ou mentira, este não deixa de ser um passeio muito interessante e que vale a pena ser feito.
Além dos caixões, a região de Sagada possui inúmeros rios, cavernas e cachoeiras para se conhecer. Infelizmente, como nosso tempo era curto, não pudemos apreciá-los, mas fica a dica!
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3 comentários sobre “Visitando os caixões suspensos de Sagada – Filipinas”
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