Violência descontrolada, socos, chutes, pedradas, chicotadas, mortes e rios de sangue: escutamos muitas histórias sobre este ritual boliviano, e nenhuma delas era verdade. Conheça aqui como foi nossa passagem por esse belíssimo festival.
Referência (maio/2016)
1 real = 2 bolivianos
Antes de irmos para a pequena cidade de Macha, Bolívia, para presenciar o festival de Tinku (também conhecido como Fiesta de la Cruz), estávamos muito receosos: pouca informação se encontrava na Internet, e o que se encontrava falava sobre uma brutalidade e violência sem limites. Em Potosí, as pessoas com quem conversamos nos recomendavam a não ir, pois seria muito perigoso. Algumas agências vendiam excursões guiadas para lá, supostamente para garantir a integridade dos turistas, mas os valores não cabiam no nosso orçamento, e decidimos ir por conta própria.
Não poderíamos ter feito uma escolha melhor: esta foi, sem dúvidas, a experiência mais impressionante que já tivemos em nossa viagem até agora.

Tinku
Tinku, na língua Quechua, significa “encontro”, e o ritual nada mais é do que isso: um encontro de várias pequenas comunidades em uma cidade principal. Este ritual tem origens pré-colombianas, mas hoje sofre forte influência da cultura europeia e do cristianismo. Ainda assim, o pessoal preserva suas origens, e o Tinku é condenado pela igreja católica.
Não há informações muito precisas sobre as origens ou os motivos do Tinku, e a mídia adora abordar de uma maneira sensacionalita para ganhar audiência. O encontro é, de fato, bastante violento, mas não é essa a essência.

Durante o Tinku, as várias comunidades de uma região (algumas que não chegam a ter 30 habitantes) se encontram em uma cidade principal. As pessoas seguem trajadas com roupas típicas, cantando e dançando, como um grande desfile de carnaval. Também aproveitam para beber sem parar durante os 3 dias, e para brigar – sim, brigar. Aí está toda a “brutalidade” do festival.
Há dois tipos de brigas que acontecem durante o Tinku: uma é relativamente organizada, em um “ringue” formado pelo círculo de pessoas e um juiz com um chicote. As outras podem acontecer pelos diversos cantos da cidade, e são brigas de bêbados mesmo: 1 contra 1, 1 contra vários, vários contra vários. Estas geralmente são contidas pela própria população, mas podem chegar a casos extremos de dois grupos arremessarem pedras uns contra os outros.

Segundo a crença, as lutas fazem os homens mais fortes, e o sangue que escorre é uma oferenda para a Pachamama. Escutamos até uma senhora dizer que torcia para que alguém morresse, pois uma morte durante o Tinku significaria uma boa colheita neste ano.
Apesar de parecer violento, o festival é bastante seguro para quem não quer se meter em brigas. Vimos crianças andando tranquilamente pelas ruas, mães com os bebês nas costas e uns poucos turistas (o Tinku ainda não é muito conhecido).

E a polícia?
Há policiamento no festival, mas os policiais (que não são numerosos) só entram em ação quando a situação sai do controle, e não estão aí para prender ninguém. No geral, os policiais ficam próximos às lutas organizadas, para garantir que aconteçam com controle e que a disputa pare quando um dos dois cai no chão.
Quando muitas pessoas começam a brigar e a situação sai do controle, ou quando há disputas com pedras, a polícia entra atirando bombas de gás lacrimogênio. Isso já é suficiente para dispersar a multidão e fazer a situação voltar ao controle.
A polícia também procura manter a integridade do turista, mas você precisa garantir a sua própria segurança também. Explicamos a seguir.

Segurança
O turista não costuma ter muitos problemas durante o festival, mas é bom ter certa cautela. Dificilmente alguém vai querer brigar com você, mas é melhor evitar os lugares com muita aglomeração e não se aproximar muito das confusões. Se a briga se tornar generalizada e você estiver no meio, poderá levar uns socos por tabela. Se começarem a jogar pedras, você poderá levar uma pedrada. E, quando a polícia chegar disparando gás lacrimogênio, o pessoal vai sair correndo para todos os lados, e se estiver no caminho poderá cair e ser pisoteado.

Note que algumas pessoas poderão te tratar com hostilidade, principalmente se estiver tirando fotos ou filmando, e em casos mais extremos poderão tentar quebrar sua câmera ou te chamar para uma briga (lembre-se que estão todos bêbados). Nestes casos, o melhor a fazer é dar as costas e sair andando.
A prefeitura vende por 100 bolivianos um crachá que, supostamente, te permite tirar fotos com segurança (se quiser filmar é 200), mas nós compramos e não serviu para nada: algumas pessoas, ainda assim, queriam quebrar nossa câmera. Depois de um tempo, simplesmente paramos de usar o crachá.

Durante a noite, tenha cautela e evite se afastar muito das áreas policiadas.
Furtos também são comuns (roubaram o dinheiro do bolso de um espanhol que estava em nosso hotel, e um francês teve seu colar arrancado), portanto procure deixar suas coisas no hotel e andar somente com o dinheiro necessário no bolso.
De um modo geral, o Tinku se parece muito com um carnaval de rua no Brasil, e há que tomar o mesmo nível de cuidado.
Onde acontece?
O Tinku acontece em diversas comunidades bolivianas (algumas praticamente inacessíveis), sendo o maior deles em Macha, há cerca de 4h de Potosí.

Quando?
Ocorre no começo de maio. O de Macha acontece durante os dias 3, 4 e 5, sendo a festa principal no dia 4. Se quiser presenciar o festival em outro lugar, há que se informar com o pessoal da região quando ocorrerá.
Como chegar
Para chegar em Macha, o ideal é sair de Potosí: do mercado Chuquimia (próximo à velha estação de ônibus) há um ônibus direto para lá, todos os dias (pelo menos durante a época do Tinku), e custa 20 bolivianos. Deveria sair às 11h, mas sempre sai atrasado (no nosso caso, saiu às 14h).
Também há vários coletivos que saem tanto do terminal novo quanto do terminal velho de Potosí, e são naquele esquema: saem quando enche. Estes costumam custar algo como 35 bolivianos.
Outra opção é pegar um ônibus de Potosí à Oruro e pedir para descer em Cruce (vai custar uns 20 bolivianos). Desde Cruce, pegue um coletivo até Macha (12 bolivianos).
O trajeto desde Potosí até Macha demora entre 3 e 4 horas.
É possível chegar a Macha desde Sucre, mas a estrada é pior e não há muito transporte formal entre as duas cidades. Teria que buscar um caminhão e ver quanto cobrariam para te levar, ou verificar os dias que o ônibus sai. Este trajeto pode demorar algo entre 4 e 5 horas.
Se quiser ir de excursão desde Potosí, espere pagar algo entre 550 e 1000 bolivianos.
Hospedagem
Esqueça booking, trivago, hostelworld ou qualquer coisa do tipo: poucas pessoas de Macha sabem o que é internet.
Seguimos para Macha com certo receio (ainda mais depois que descobrimos que chegaríamos à noite), mas arranjar hospedagem por lá foi bem tranquilo: a praça central é bem iluminada, e a seu redor há boas opções de hotéis bem econômicos. Recomendamos chegar 1 ou 2 dias antes do festival para encontrar quarto com mais facilidade.
Os hotéis custam entre 15 a 25 bolivianos por pessoa, e há opções com quartos privados ou compartilhados. Convém verificar se vão subir o preço nos dias do festival. Você também pode buscar hospedagem na igreja, que aluga alguns quartos no fundo.

Nós ficamos no Don Juan (25 por pessoa em quarto privado; nos dias 3 e 4 o valor subia para 40), e foi bem legal porque possui um terraço de onde se pode ver o festival em segurança.
As pessoas
Apesar da violência do festival, o povo desta região são é violento. Muito pelo contrário: são extremamente amáveis e conversadores. Quando estão sóbrios, estarão sempre te cumprimentando e ficarão orgulhosos de sair nas suas fotos. O problema é quando estão bêbados: aí, sim, podem ficar chatos e agressivos.

Apesar de ser possível (e até recomendável) interagir com o pessoal de lá, recomendamos cautela ao aceitar convites a seus rituais: não importa o quão mente aberta, experiente ou descolado você se considerar: sua cultura é muito diferente a destas pessoas, e aqui você é apenas um gringo. Seguir noite adentro em um ritual de preparação significará beber o que eles bebem, dançar o que eles dançam, sacrificar algum animal e brigar quando eles acharem que você deve brigar. Além disso, lembre-se que, na cultura Quechua, tudo se compartilha: inclusive estes seus dólares escondidos dentro da calça. Histórias de turistas que se consideraram além das diferenças culturais, ficaram bêbados juntos com o pessoal e depois acordaram no meio do mato pelados (literalmente) são mais que comuns.

Se for convidado para um ritual, certifique-se de que o local seja de fácil acesso, e procure ir por sua conta própria. Se sentir que a situação está saindo do controle, educadamente vá embora (se for o caso, saia de fininho sem se despedir – ninguém vai guardar rancor).
Durante o Tinku, recuse qualquer tipo de convite: um grupo de pessoas pode até ser bem intencionado e te convidar para tomar uma cerveja com eles, mas se aparecer um grupo rival e eles começarem a brigar, você vai estar no meio da briga.
Preços
Quer saber quanto você vai gastar para participar deste festival? Aqui vão os valores:
- hotel: entre 15 (quarto compartilhado) e 25 bolivianos (quarto privado). O preço pode subir para até uns 40 bolivianos por dia durante o festival.
- Transporte: entre 20 e 30 bolivianos para chegar de Potosí até Macha. Caso queira ir de Macha até algum outro povoado da região, vai pagar algo como 10 bolivianos por trecho.
- Alimentação: só há 3 restaurantes (bem simples) em Macha, e custam 12 bolivianos um almoço ou janta completos. O pão custa 50 centavos por lá e uma garrafa de 2 litros de água sai por 8 bolivianos.
- Permissão para fotos: custa 100 bolivianos e pode ser comprada na prefeitura. Para vídeos, custa 200. Supostamente esta permissão seria para garantir a sua integridade e a da sua câmera, mas na prática não serve para nada. Não vale a pena comprar.

O festival
Aqui descrevemos como foi nossa passagem por Macha ao longo dos dias:
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01/05/2016
Decidimos ir a Macha alguns dias antes do festival, para poder analisar como era a situação por lá, já que encontramos muita pouca informação na Internet, e o pessoal de Potosí tampouco sabia nos informar.
Saímos de Potosí às 14h da tarde, e chegamos em Macha por volta das 18h, quando já começava a escurecer. Descemos na praça central e a cidade ainda estava bem animada. Caminhamos pelos poucos hotéis que haviam na cidade e acabamos optando por ficar no Don Juan, que oferecia quarto privado. Os turistas ainda não haviam chegado, e qualquer hotel tinha vagas de sobra.

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02/05/2016
Aproveitamos o dia para conhecer a cidade (que é minúscula) e um pouco do povo que vive por lá. Foi nessa que conhecemos Carlos e José, dois moradores de Pucamayo, um povoado que ficava a cerca de 1h30min de caminhada de Macha. Eles nos convidaram para ir ao seu povoado no dia seguinte e conhecer um pouco do ritual de preparação para Tinku. Agradecemos o convite e dissemos que estaríamos por lá.

Caminhamos por Macha e, em menos de 1h, já havíamos percorrido a cidade inteira. Perguntamos se haveria algum ritual naquele dia, e nos disseram para ir até uma pequena capela no topo de um cerro no final da tarde, pois haveria um ensaio por lá (alguns nos disseram que haveria o sacrifício de algum animal). Fomos lá e não aconteceu nada. Nos informaram que o ritual seria no dia seguinte pela manhã.

Terminamos o dia sem fazer muita coisa, mas foi muito interessante vivenciar o dia-a-dia daquele pequeno povoado.
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03/05/2016
Acordamos, tomamos café e seguimos para a capela ver os preparativos para a festa, mas não aconteceu nada. Aparentemente, nem o pessoal de lá sabe muito bem sobre o Tinku.
Decidimos seguir caminhando até Pucamayo para ver se encontrávamos com Carlos e José e presenciávamos a preparação de um povoado fora da rota turística.
O caminho até Pucamayo não era bem demarcado, mas não era difícil: bastava seguir o rio. Passamos por paisagens incríveis e chegamos lá pouco depois da 1h.

Pucamayo tinha poucas casas, mas era grande em termos de território: todas as casas tinham um terreno gigante onde criavam animais. Também não havia ruas ali: as casas se dispunham ao longo dos cerros e você precisava encontrar seu caminho entre as pedras, as árvores e as ovelhas. Diferente do que imaginávamos, a cidade estava deserta: não havia gente dançando nas ruas nem nada. Sem saber muito bem o que fazer, decidimos seguir caminhando pela margem do rio. Logo escutamos uma cantoria, e seguimos para lá.

Um pequeno menino, de uns 10 anos no máximo, estava sentado em uma pedra. Ao nos ver, nos chamou para conversar, e perguntou se queríamos participar da festa. Seguimos com ele e encontramos com um argentino que tinha parentes ali. Ele nos recebeu muito bem e nos levou até um grupo de umas 8 pessoas. Ali, a situação foi meio complicada: metade nos recebeu muito bem, e metade foi hostil. A primeira coisa que nos perguntaram foi:
–Vieram aqui para filmar?
-Não. – respondemos.
Entregamos uma bolsa com folhas de coca como presente, que eles pegaram sem agradecer. Logo começavam a beber chicha (uma bebida feita de milho, que não sabemos como é feita e nem se é alcoólica ou não) e um outro negócio branco (na garrafa dizia “álcool potável”) e nos ofereceram (ou melhor, nos intimaram) a beber. Na cultura deles, é assim: você dá um gole grande e passa a bebida para a frente, na roda. Não existe “não quero”, “não, obrigado” ou “vou dar um tempinho”. Você bebe e pronto.
Depois de uns 15 minutos, o pessoal já começou a ser mais sociável conosco, mas ainda mantinham certa distância. Não adianta: ali, éramos meros turistas.
Logo trouxeram uma vaca e uma ovelha: estes animais seriam sacrificados para o Tinku. A Michele preferiu sair de fininho (não queria ofendê-los, mas tampouco queria ver o sacrifício). Eu também não fazia a menor questão de ver, mas sair seria uma ofensa: eles estavam orgulhosos de que víssemos seu ritual.
E então começou: laçaram a vaca, prenderam seus pés e a derrubaram no chão. Um segurou sua cabeça, e o outro veio com uma faca – a vaca seria degolada. Quando vi o tamanho da faca (que não era muito maior que a faca que usamos para almoçar), percebi que o negócio seria tenso.
Em respeito a vocês, não vou descrever o que eu vi aqui, mas foi, provavelmente, a cena mais pesada que já presenciei na vida.
Logo, um rapaz pegou o sangue com um caneco e começou a respingá-lo pelo chão, em uma oferenda à Pachamama. Depois, misturou um pouco na chicha que estávamos bebendo. Quando começaram a passar no rosto, decidi que era hora de ir embora: já havia visto o suficiente. Para não ofendê-los, tentei não parecer suspreso e disse que sairia para procurar a Michele. Mudamos muito nestes vários meses de viagem, mas, para isso, ainda não estávamos preparados. Este dia foi um aprendizado e tanto.
Voltamos caminhando e chegamos em Macha pouco antes das 17h, e já se começava a ver alguns turistas por lá. Almoçamos em um pequeno restaurante e logo um pessoal da região puxou papo conosco. A comunicação foi difícil, pois mesclavam muito o espanhol com quechua, mas entendemos que estavam nos convidando para ir até o topo de uma montanha (perto da capela), onde eles ensaiariam os primeiros passos de dança antes de descer para a cidade. As mulheres disseram que eram cholas tradicionais, que usavam vestidos longos, diferente das meninas do campo que usavam saias curtas que mostravam “tudo” (para nós, brasileiros, aquela observação era muito cômica).

Decidimos aceitar o convite e seguimos para o local depois de almoçarmos. Quando chegamos à base do cerro, vimos um movimento lá em cima, mas ficamos um pouco sem jeito de subir sem conhecer ninguém. Logo um senhor, trajando suas roupas típicas, passou por nós e disse:
–Subam, venham dançar com a gente!
Ótimo, sinal que seríamos bem recebidos. Seguimos com eles e, lá em cima, todos nos receberam muito bem. Perguntamos se poderíamos tirar foto; eles não só deixaram, como ficaram muito orgulhosos. Disseram que ficaríamos muito felizes se levássemos parte de sua cultura para nosso país.

A pequena experiência que vivenciamos ali em cima já valeu toda a viagem até aqui. Ver aquele povo cantando, dançando e bebendo, e poder compartilhar um pouco daquele momento foi muito enriquecedor.
Logo começou a encher de turistas e repórteres, e resolvemos descer para a cidade. Esperaríamos por eles lá embaixo.
Por volta das 19h, vimos uma multidão descendo correndo as estreitas ruas da cidade. Quando chegaram à praça, armaram um grande círculo e começaram a dançar. Foi um preparativo do que veríamos no dia seguinte.

Fomos dormir muito felizes de termos chegado até aqui.
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04/05/2016
Finalmente havia chegado o grande dia!
Subimos para o terraço do hotel para ver o movimento. Pouco depois das 8h, começaram a chegar os grupos de pessoas, que pareciam blocos de carnaval. Alguns eram compostos de meia dúzia de pessoas, e outros poderiam chegar a 50. Todos desciam correndo, com um rapaz ou uma mulher na frente abrindo caminho na rua com um chicote. Quando chegavam a um local com espaço (geralmente nas esquinas), o da frente chicoteava homens para um lado e mulheres para o outro, e estes formavam dois grandes círculos, sendo o maior, externo, composto por homens, e o de dentro por mulheres. Uma pessoa (geralmente um senhor de idade) levava uma cruz, e ficava no meio do círculo, junto com alguns que estavam tocando charango, um instrumento parecido com um violão pequeno. Ali, faziam algumas danças, até serem chicoteados novamente para seguirem correndo adiante.

O ritual fazia lembrar o controle de um rebanho, e talvez seja esta mesma a ideia.
Todos iam seguindo fazendo este mesmo ritual, e foram se acumulando todos em frente à igreja. Ali, faziam uma dança desordenada onde desse. Com o tempo, se via a disputa de territórios: um grupo estava fazendo seu ritual e outro tentava roubar o espaço do primeiro. Neste caso, o primeiro tinha 3 opções: ou sair dali, ou compartilhar aquele território, ou sair na briga. Pequenos desentendimentos iam surgindo, mas em geral eram apartados pelas mulheres (elas se metiam no meio, às vezes dando socos ou até chicotadas nos homens que começavam a briga, e ninguém ousava desrespeirá-las).
Descidimos descer e ir para perto da igreja ver de perto o que estava acontecendo. Vimos que o pessoal que carregava a cruz entrava na igreja, o padre a benzia e eles voltavam para a dança. Víamos algumas pancadarias no meio da multidão também, mas que eram logo aparadas. Até que, em um momento, vimos uma correria, e logo as fumaças de uma bomba. Saímos correndo também para não sermos atropelados, e no caminho um senhor deu um tapa na minha mão e derrubou minha câmera portátil no chão. Quando abaixei para pegar, ele tentou chutar a que estava no meu pescoço, mas a Michele o empurrou.

Voltamos para o hotel e ficamos sabendo que um espanhol que estava lá teve sua carteira roubada no meio do tumulto. Decidimos deixar nossas coisas no quarto e levar só nossa câmera portátil na próxima saída. Antes disso, subimos para o terraço para ver como estava a situação, e logo começou uma briga de pedras logo ao lado do nosso hotel. Isso durou uns 15 minutos, até que a polícia chegou e jogou as bombas de gás lacrimogênio. A fumaça subiu toda para onde estávamos, e foi tenso de respirar.

Quando a situação se tranquilizou, resolvemos descer e voltar para perto da igreja. Lá, um ringue havia sido formado, e lutas organizadas aconteciam sob a supervisão da polícia.
Logo a pancadaria saiu do ringue e se extendeu às pessoas que estavam assistindo. Nesta hora, a polícia jogou outra bomba e foi mais uma correria.
E o dia seguiu assim: brigas e bombas. Geralmente, as brigas fora do ringue eram logo separadas, geralmente por mulheres ou por senhores de idade. O mais engraçado era que, alheios às pancadarias, outros grupos seguiam dançando, mulheres caminhavam com seus bebês nas costas, crianças brincavam na rua e os vendedores seguiam em suas barraquinhas ao redor da praça. Realmente, só brigava quem queria.

Da nossa visão, tudo parecia um grande carnaval, porém com permissão para brigas. As armas eram somente os punhos (ou pedras, quando eram em grupo). As pessoas com chicote entravam somente para tentar controlar a situação.
No fim da tarde, a polícia acabou com as lutas organizadas, e o grupo que estava ali se espalhou pela cidade. Guerras de pedra e pequenas brigas iam acontecendo em cada canto.
Quando escureceu, pouca gente ainda havia na rua, e os que continuavam por ali ou estavam muito bêbados ou seguiam cantando e dançando.
Por volta das 20h, uma pequena briga começou bem na frente do nosso hotel. As mulheres surgiram para separar a briga, mas logo elas começaram a brigar entre si. Sem as mulheres para controlar a situação, a pancadaria logo se generalizou. Isso não durou muito, pois logo a polícia jogou uma bomba. A fumaça foi toda para o hotel, e era difícil respirar lá dentro.
Depois disso, a situação parecia sob controle, e decidimos ir dormir.

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05/05/2016
Acordamos por volta das 8h e subimos para o terraço. As ruas estavam relativamente vazias, com uns poucos grupos resistentes ainda em pé, cantando e dançando em um ritmo já bem lento.
Aos poucos, foram descendo pelas ruas grupos correndo e fazendo os rituais da dança, como no dia anterior. Hoje, porém, com vários integrantes com a cara roxa ou manchada de sangue.

Assim se foram enchendo as ruas novamente, porém a uma proporção menor que no dia anterior. Saímos para ir ver se havia transporte para Sucre, mas o ônibus já havia partido às 8h. As lutas organizadas começaram a se formar em outra esquina, mas desta vez com bem menos gente assistindo e sem o controle direto da polícia.
Pequenas brigas às vezes surgiam nos outros pontos da rua, mas em bem menor intensidade que no dia anterior.
Pouco antes do meio-dia, a polícia jogou uma bomba onde estavam acontecendo as lutas organizadas, e isso dispersou o pessoal. De pouco em pouco, as pessoas começaram a ir embora, as barracas foram se desmontando e, pela tarde, a paz já reinava em Macha.
E assim terminou o Tinku, o festival mais impressionante que já vimos até agora.

Considerações para o viajante
O Tinku é um festival violento: as imagens não deixam negar. Isso não deve, porém, ser usado de forma alguma para julgar a cultura ou o caráter deste povo. Pense que é um grande carnaval, com muita bebedeira e um policiamento mínimo (que só foi introduzido nos últimos anos). Se fizessem um carnaval sem polícia no Brasil, provavelmente as consequências seriam muito piores.

Se for para lá, vá com a mente aberta e saiba o que esperar. Escutamos algumas espanholas comentando: “Por que essa gente faz isso? É horrível!”. No país delas, uma das grandes atrações são as touradas (isso sim nós consideramos horrível), mas nem por isso vamos sair julgando os espanhóis.
Tenha sempre em mente, também, que este é o dia deles, a festa deles. Você é o intruso no Tinku. Mantenha sua cautela, respeite e você vivenciará um dos maiores espetáculos da sua vida.
No mais, boa viagem! 🙂
Dicas
- Casca de tangerina é ótimo para minimizar os efeitos do gás lacrimogênio. Vendem tangerina em qualquer barraquinha lá por 50 centavos.
- Se alguém implicar com você, dê as costas e saia andando. Não vale a pena arranjar confusão no Tinku.
- Interaja com os moradores de lá, mas com cautela: sua cultura é muito diferente da deles, e você pode não aguentar acompanhá-los em seus rituais.
- Procure ir por conta própria: é mais barato e muito mais interessante do que ir em um tour.
Se estiver mochilando pela Bolívia, não deixe de ler nossas dicas sobre este país aqui.
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Post fantástico e riquíssimo! Parabéns!
Obrigado!! 😀
Muito legal!! Estava procurando conteúdo sobre o festival na internet e esse foi o único relevante em português.
Parabéns pelo blog e boa viagem ao mundo!
Obrigado Marina!
O festival ainda é bem pouco conhecido pelo turismo. Se tiver a oportunidade de ir, vá, porque é sensacional!!
Parabéns, estou amando seu blog.Você chegou a ouvir em Potosi alguma coisa sobre a cidade de Colquechaca? Gostaria de conhecer mas não tenho encontrado quase nada na internet
Olá Silvia! Obrigado! 🙂
Poxa, não chegamos a escutar de Colquechaca não! Mas, e for passar por Potosí, lá tem uma oficina de turismo muito boa. Fica no centro, na base de umas torres de onde dá pra ver a cidade (não sei o endereço, mas é bem fácil achar). Lá eles podem te informar sobre o transporte pra lá. Foram eles que nos ensinaram a chegar a Macha 🙂
Um excelente post! Realmente, parabéns pelo texto, pelo respeito para com outra cultura e pela apresentação!
A tradução de Tinku para o português, é baile funk de favela…rss
Lado A x Lado B e porrada comendo solta…música, danças, bebidas… a mulherada q fica a desejar..rss
Esses meus conterrâneos são demais… um dia farei uma visita a eles.