Massacre de My Lai – a barbárie americana na Guerra do Vietnã

Há 51 anos atrás, soldados americanos cometiam uma das maiores monstruosidades do século passado: fuzilaram, queimaram e estupraram centenas de camponeses vietnamitas desarmados. Conheça aqui a história por trás desta barbárie.

A Guerra do Vietnã foi travada entre o Vietnã do Norte, auto declarado comunista, e o Vietnã do Sul, protegido pelos EUA. Mas os habitantes da pacata vila rural de My Lai, localizada no Vietnã do Sul, não têm nada a agradecer pela “ajuda” americana.

Vítimas do Massacre de My Lai. Foto de Ronald L. Haeberle, domínio público.

O massacre aconteceu em 16 de março de 1968. Motivados por uma denúncia que afirmava que esta pequena vila estava apoiando e escondendo soldados do Vietnã do Norte e simpatizantes, um pelotão de soldados americanos, comandados pelo tenente William Calley, rumou ao local com ordens de “matar tudo o que se mexesse”. A informação que tinham era a de que os moradores locais sairiam às 7h da manhã para comprar comida em uma feira, e que quem ficasse para trás seria guerrilheiro ou soldado inimigo.

Mas, ao chegarem à vila, os americanos não encontraram soldado ou guerrilheiro algum: apenas camponeses simples e desarmados, entre eles muitos idosos, doentes e crianças. Mesmo assim, não quiseram perder viagem e começaram a queimar as casas, mesmo com as pessoas dentro. Os que sobreviviam eram fuzilados à queima-roupa. Mulheres, incluindo crianças de apenas 12 anos, foram estupradas por diversos soldados antes de serem assassinadas.

Camponeses assustados durante o massacre. Segundo um relato, a mulher no fundo está ajustando a blusa após ter sido estuprada. Foto de Ronald L. Haeberle, domínio público.

A barbárie durou 4 horas. O resultado da tragédia foram 504 civis mortos, sendo muitos deles mulheres, idosos, crianças e até bebês de colo. Os poucos que sobreviveram se fingiram de mortos entre os cadáveres, pois os soldados não queriam poupar ninguém.

O massacre (ou, como o governo americano preferia chamar, o “incidente”) só foi interrompido graças ao ato heroico do piloto americano Hugh Thompson Jr.

Foto marcante, que mostra um menino tentando salvar seu irmão menor. Nenhum dos dois sobreviveu. Foto de Ronald L. Haeberle, domínio público.

O herói

O oficial e piloto Hugh Thompson Jr dava cobertura de helicóptero às tropas terrestres. Porém, ao ver a barbaridade cometida por seus aliados, resolveu intervir em favor dos vietnamitas. Em um ato heroico, comunicou o ocorrido aos seus superiores, buscou ajuda por rádio e parou seu helicóptero em meio à vila.

Hugh Thompson Jr, piloto americano que evitou que o massacre fosse ainda maior.

Com a ajuda de Andreotta e Coburn, tripulantes de seu helicóptero, Thompson teria apontado suas metralhadoras contra as tropas terrestres e as alertado que, se visse qualquer soldado norte-americano assassinando mais um civil, este seria metralhado. E, apesar de Thompson ser de patente inferior aos comandantes do pelotão terrestre, nenhum soldado ousou desafiá-lo.

Aqui está o trecho de uma conversa entre Thompson e um soldado:

  • Thompson: Vamos tirar este pessoal das cabanas e sair daqui.
  • Brooks: Nós iremos tirá-los com granadas.
  • Thompson: Eu posso fazer melhor que isto. Mantenha seu pessoal no lugar. Minha mira está em você.

Depois de interromper o massacre, Thompton e o seu pessoal resgataram 11 sobreviventes. Andreotta conta que, após levantar voo, viu algo se mexendo em meio a uma pilha de cadáveres. Voltaram para averiguar e encontraram ali mais uma criança com vida.

Soldado americano queimando casas de palha e comidas na aldeia

Consequências

  • Hugh Thompson Jr. recebeu uma pequena condecoração pouco tempo depois do episódio. E então foi enviado para algumas missões extremamente perigosas. Muitos consideram que esta foi uma punição pelo seu ato, e que o queriam morto para que o caso fosse abafado. Mas Thompson sobreviveu à guerra e, 30 anos depois, junto com Coburn e Andreotta, recebeu a Medalha do Soldado, condecoração máxima dada pelo Exército dos EUA. A condecoração de Andreotta foi póstuma, pois este foi morto em uma missão uma semana depois do massacre de My Lai;

  • A única pessoa punida pelo massacre foi o tenente Calley, comandante da operação. Foi sentenciado à prisão perpétua, mas dois dias depois da condenação recebeu o perdão do presidente Nixon, e acabou cumprindo uma pena alternativa de 3 anos;

  • O local onde antes era a vila de My Lai foi convertido em um museu. Lá é possível ver os restos das casas e a lista contendo o nome e a idade dos 504 civis mortos;

  • Este massacre tornou-se mundialmente conhecido graças ao depoimento de Thompson, Coburn e Andreotta e às fotos tiradas pelo fotógrafo que acompanhou a operação. É impossível estimar quantos massacres similares aconteceram e foram abafados.

Camponesa com um rifle apontado à cabeça. Foto de Ronald L. Haeberle, domínio público.

Depoimentos

“Eram muitos soldados, aproximaram-se da casa atirando nas galinhas e os patos. Matavam tudo o que viam. Sentimos um medo atroz. Na casa, estávamos minha mãe, minha filha de 16 anos, meu filho de seis e eu, que estava grávida. Apontaram suas armas para nós e pediram que saíssemos e fôssemos até o açude. (…) Havia muita gente no açude. Empurraram-nos para dentro dele a coronhadas. Juntávamos as mãos e implorávamos para que não nos matassem, mas eles começaram a disparar. Senti como se as balas me mordessem nas costas e na perna, vi como elas arrancaram metade do rosto de minha filha, e então desmaiei. O frio me devolveu a consciência. Meu filho pequeno jazia a meu lado. Não conseguia andar. Arrastei-me para chegar à minha casa e beber água porque estava com uma sede terrível. No caminho encontrei os corpos nus de muitas jovens. Eles as haviam violado e assassinado.”

– Ha Thi Quy, sobrevivente do massacre, para o jornal “El País” em 2008.

“Ainda ouço com nitidez os gritos dos soldados que irromperam em minha casa naquela manhã. ‘Tudi maus, tudi maus!’ Não sei o que isso queria dizer. Nem sei se era inglês ou uma imitação de vietnamita, mas era o que gritavam enquanto apontavam para nós e faziam sinais para sairmos. ‘Tudi maus, tudi maus!’ Minha mãe me disse para fugir e me esconder. Minhas irmãs corriam atrás de mim seguidas pela minha mãe com meus dois irmãos pequenos; o menor, tinha dois anos. Quando íamos entrar no abrigo, nos metralharam. Seus corpos caíram sobre mim”.

– Cong Pham Thanh, sobrevivente que tinha 11 anos no dia do massacre, para o jornal “El País”, em 2008.

“Sobrevoamos uma vala em que haviam sido mortos mais de cem vietnamitas. Andreotta percebeu movimentos, então Thompson aterrissou novamente. Andreotta foi diretamente até a vala. Teve que caminhar entre cadáveres que chegavam à altura de sua cintura para resgatar um menino pequeno. Eu fiquei de pé, em campo aberto. Ele se aproximou e me entregou o menino, mas a vala estava tão cheia de cadáveres e de sangue que ele não conseguia sair. Estendi o meu rifle para ele e o ajudei a sair”.

– Depoimento de Coburn registrado no livro “A Guerra do Vietnã: Uma História Oral”

“Não se passa um só dia que seja em que eu não sinta remorsos pelo sucedido em My Lai. Se me perguntar porque eu fiz aquilo, só posso dizer que eu não passava de um segundo tenente a receber ordens do meu superior hierárquico, e que obedeci”.

– Depoimento de William Calley para um jornal local de Georgia

“Eu vi um velho no meio do arrozal acenando amigavelmente, e então sendo assassinado pelos GIs (soldados americanos)… entrando na vila eu não vi nenhum VietCong, apenas camponeses fugindo de suas casas em chamas e imediatamente sendo mortos pelos GIs. Alguns GIs estão particularmente interessados em matar pessoas. A cada corpo que caía, eles gritavam: “deem-me outro alvo””

-Relato do soldado americano Herbert Carter

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O Museu

Se quiser visitar o local do massacre, ele fica a 15 quilômetros da cidade de Quang Ngai, que está a 2h de trem de Da Nang.

Em Quang Ngai basta pegar o ônibus verde número 3 (parte do terminal de ônibus) que ele te deixa bem na frente do museu. Para voltar é só pegar o mesmo ônibus em sentido contrário.

A entrada para o museu custa 20 mil dongs (R$ 3,20) e a passagem do ônibus custa 10 mil dongs (R$ 1,60).

Se quiser saber mais sobre o massacre, veja este vídeo que fizemos no museu:

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4 comentários sobre “Massacre de My Lai – a barbárie americana na Guerra do Vietnã

  1. Muito triste mesmo. Quando estive em Berlin, não consegui ver todo o museu do holocausto. Sai de lá soluçando de tanto chorar. 🙁

  2. Gostando demais dessa sequência de posts, Renan!

    Quer dizer… “gostando de saber mais sobre tudo isso” mas MTO triste de pensar no que o ser humano é capaz… 🙁

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